As relações entre o governo de Daniel Ortega e a cúpula da Igreja Católica na Nicarágua vivem um momento delicado. O último capítulo foi a prisão, na sexta-feira passada (19), do bispo Rolando Álvarez, a última voz abertamente crítica ao governo do país, que atualmente está em prisão domiciliar.
A Polícia Nacional da Nicarágua acusou, em um comunicado, o bispo de Matagalpa, de 55 anos, de “organizar grupos violentos, incitando-os a realizar atos de ódio contra a população, causando um clima de ansiedade e desordem, perturbando a paz e a harmonia da comunidade, com o objetivo de desestabilizar o Estado da Nicarágua e atacar as autoridades constitucionais”, acusações que o religioso nega.
Álvarez era conhecido por denunciar violações de direitos humanos por parte do governo Ortega, cuja guinada autoritária tem sido alvo de críticas de instituições e organizações internacionais nos últimos anos. Outro bispo crítico do governo, Silvio Báez, se exilou em 2019 depois de receber várias ameaças de morte.
Em família
Após um primeiro mandato presidencial em meados da década de 1980, Ortega retomou o poder em 2007 e, desde 2017, sua esposa, Rosário Murillo, o acompanha como vice-presidente.
As últimas eleições de novembro de 2021, que Ortega venceu com 75% dos votos, foram realizadas com sete candidatos da oposição presos e alegações de fraude por parte de organizações internacionais.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) documentou torturas e outras violações de direitos humanos cometidas pelas autoridades nicaraguenses nos últimos quatro anos, bem como o confinamento de mais de 190 presos políticos, alguns deles em condições desumanas.
Ortega, apoiado pelos governos de Cuba e Venezuela, descreveu essas acusações como “invenções” em uma campanha para “dar má fama à Nicarágua perante organizações internacionais”. Ele também acusou os bispos do país de “tomar partido” e estarem comprometidos com os “golpistas”, além de terem promovido a criação de “seitas satânicas”.
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O casal que governa a Nicarágua: vice-presidente Rosário Murillo e o presidente Daniel Ortega — Foto: Getty Images
A relação entre Ortega e a Igreja
A relação entre o governo e a alta hierarquia católica no país encontra-se em um ponto difícil. “Ortega atingiu a Conferência Episcopal da Nicarágua em seus dois principais nomes: o bispo estrategista, Dom Báez, foi exilado. E o bispo que organiza, Álvarez, está na prisão”, disse o sociólogo e analista político nicaraguense Oscar René Vargas.
Além disso, no último um ano e meio, as autoridades expulsaram do país o núncio papal (representante no país da Santa Sé) e 18 freiras da ordem Missionárias da Caridade, fundada por Madre Teresa de Calcutá, prenderam sete padres e fecharam várias estações de rádio católicas.
A Igreja Católica recebeu quase 200 ataques entre abril de 2018 e maio de 2022 na Nicarágua, segundo um relatório da ONG Observatorio Pro Transparencia y Anticorrupción.
Influência religiosa
Apesar de ter perdido o monopólio da fé contra os ascendentes grupos evangélicos, a Igreja Católica continua sendo a instituição mais influente neste país caracterizado pela acentuada devoção religiosa de seus 6,6 milhões de habitantes.
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O cardeal Brenes, a mais alta autoridade católica na Nicarágua, deixou de ser uma figura combativa para suavizar sua posição contra o governo — Foto: Getty Images
As mudanças de 2018
Os protestos de abril de 2018 na Nicarágua marcaram um ponto de virada nas relações entre o governo e a Igreja Católica.
Uma controversa reforma do sistema previdenciário levou a grandes protestos de rua, que o governo considerou parte de uma tentativa de golpe.
A repressão das forças de segurança e milícias relacionadas ao sandinismo deixou 200 mortos reconhecidos pelo governo, 328 contabilizados pela CIDH e mais de 650, segundo organizações civis. Também houve cerca de 2 mil feridos e 1.6 mil pessoas presas, segundo a CIDH.
A Igreja Católica da Nicarágua apoiou os manifestantes, que se refugiaram da resposta violenta das forças de segurança na catedral da capital, Manágua.
Sua autoridade máxima, o cardeal Leopoldo Brenes, surgiu como mediador do diálogo fracassado entre as partes e denunciou fortemente a perseguição de Ortega à Igreja, que o colocou na mira das autoridades.
O presidente endureceu sua retórica contra os eclesiásticos, a quem chamou em várias ocasiões de “golpistas” ou “terroristas”.
Três anos depois, porém, há quem acuse o cardeal de ter suavizado sua postura em relação ao governo. Ele deixou de condenar abertamente acontecimentos recentes como a prisão do bispo Álvarez na semana passada.
No início de agosto, Brenes exigiu que as autoridades “cessem todos os atos de violência contra a Igreja, os padres e os fiéis”, embora tenha observado: “Não somos inimigos do governo”.
Fonte: BBC
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