Os brasileiros apaixonados por futebol se apaixonaram pelas apostas esportivas online , o que gerou um aumento no interesse de empresas estrangeiras de apostas, o que pode aumentar os cofres do Estado, mas também ameaça desviar fundos dos gastos dos consumidores em outras áreas.
A maior economia da América Latina tem visto um crescimento menor do que o esperado nos gastos do consumidor no país nos últimos meses, uma fraqueza que alguns bancos e think tanks estão culpando o jogo. Tal ligação ecoaria dados vistos em alguns estados dos EUA afetados pela febre do jogo online.
O futuro presidente do Banco Central do Brasil, Gabriel Galipolo, também se manifestou. “Até os grandes bancos estão discutindo por que o crescimento recente da renda não se reflete no crescimento da poupança ou do consumo, e pode estar vazando para esse tipo de atividade, para o jogo”, disse Galipolo em um seminário, no mês passado, sem dar mais detalhes.
O boom dos jogos de azar online no Brasil ressalta profundas mudanças econômicas que podem resultar da maior disponibilidade de apostas e da dificuldade enfrentada pelos formuladores de políticas em todo o mundo, que buscam colher os ganhos em termos de arrecadação de impostos e, ao mesmo tempo, evitar as desvantagens.
A indústria de jogos de azar contesta o impacto das apostas no consumo e afirma que a queda ocorreu com a pandemia de COVID-19, que manteve as pessoas em casa por dois anos.
“O setor varejista está usando o jogo como bode expiatório”, disse o advogado Luiz Felipe Maia, que representa uma dúzia de empresas de jogo no Brasil. Ele destacou que uma salvaguarda na lei do ano passado que estabelece as regras para apostas esportivas de odds fixas é a proibição do uso de cartões de crédito para apostas.
Os brasileiros gastaram 68,2 bilhões de reais no ano encerrado em junho em plataformas de apostas no exterior, de acordo com uma análise do banco Itaú Unibanco, com base em dados do banco central. Isso o colocaria entre os seis maiores mercados de apostas esportivas do mundo.
‘Parou viver’
O governo brasileiro espera receber 3,4 bilhões de reais em pagamentos iniciais somente para pedidos de licença, pouco antes de começar a arrecadar impostos sobre apostas. Apesar desses ganhos, também há sinais de que a febre do jogo já está tirando dinheiro da economia real.
Diego, um operário de fábrica de 38 anos em São Paulo que se tornou viciado em apostas esportivas e depois em caça-níqueis online, disse que suas perdas consumiram seu salário e o deixaram com dívidas permanentes.
“No começo, ganhei muito dinheiro jogando, mas depois parei de ganhar. Não conseguia pagar meu cartão de crédito, contas básicas da casa, meu aluguel”, disse ele, pedindo que seu sobrenome não fosse divulgado. “Eu praticamente parei de viver.”
A preocupação com o vício do Brasil em apostas esportivas levou o governo a adotar medidas para restringir o horário de publicidade e a exposição a crianças. Pesquisas com consumidores indicam que os brasileiros estão apostando com fundos que normalmente gastariam em outros bens e serviços.
Os gastos familiares com jogos de azar saltaram para 1,9% de sua renda neste ano, o dobro da parcela de 2018, de acordo com um relatório recente do banco Santander. Ao mesmo tempo, as famílias cortaram para 57% de suas despesas de renda com alimentos, roupas, eletrônicos, produtos de beleza e remédios, de um pico de 63% em 2021.
Outro estudo da consultoria Strategy&, da PwC, baseado em uma pesquisa nacional de renda familiar, mostra que as apostas representaram 38% dos orçamentos de entretenimento em 2023, ante 10% em 2018.
Grupos de baixa renda que já têm dificuldades para pagar suas dívidas de cartão de crédito representam 79% dos apostadores, de acordo com o centro de pesquisa de consumo Instituto Locomotiva.
“Esse dinheiro normalmente iria para o lojista do bairro e impulsionaria a economia de baixo para cima”, disse Renato Meirelles, chefe do instituto. “Agora ele está sendo comido pelas apostas em vez de ir para a economia real”.
Corrida dos investidores
As apostas esportivas online no Brasil começaram em 2018, mas o governo só começou a regulamentar a atividade no ano passado. Isso forçou as empresas multinacionais a terem uma base no país, se registrarem e pagarem impostos corporativos. O prazo para se registrar era 20 de agosto, e houve uma corrida para se inscrever.
Empresas incluindo MGM Resorts International, Betfair, de propriedade da Flutter Entertainment, Betsson AB da Suécia e a maior empresa de entretenimento de cassino dos EUA, Caesars Sportsbook estavam entre os que fizeram 113 pedidos de registro, disse o secretário do Ministério das Finanças responsável pela supervisão das apostas, Regis Dudena.
“O Brasil é praticamente um mercado greenfield em um país de 200 milhões de pessoas que amam esportes e gostam de apostas. É por isso que há tanto interesse dos investidores”, disse Andre Gelfi, gerente geral da Betsson Brasil.
O Brasil não é a única grande economia mundial a ver um cabo de guerra entre os efeitos positivos e negativos do jogo online.
Um estudo liderado por Brett Hollenbeck, professor da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, mostra que os estados dos EUA que legalizaram as apostas online depois que a Suprema Corte anulou a proibição em 2018 tiveram um impacto negativo nas pontuações de crédito médias.
Após três a quatro anos de legalização, a probabilidade de famílias entrarem com pedido de falência aumentou de 25% a 30%, afirmou.
Outro estudo realizado por economistas das Universidades de Kansas, Northwestern e Brigham Young, intitulado “Gambling away stability”, disse que de cada dólar gasto em apostas, famílias com restrições financeiras retiram o equivalente a US$ 2 de suas economias e aumentam a dívida do cartão de crédito em 8%.
Fonte: Agência Reuters/Lisandra Paraguassu
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