As Olimpíadas são sobre o inesperado. Para nadadores de maratona aquática e triatletas, isso inclui um parceiro notoriamente imprevisível — o local, que normalmente é um oceano, um lago ou, no caso das Olimpíadas de Paris, o histórico rio Sena da cidade.
Por mais icônico que o Sena seja, com seus pitorescos pontos de vista de marcos da cidade como a Torre Eiffel e o Museu d’Orsay, ele também é um corpo de água contaminado. Há riscos suficientes para a saúde humana que a cidade proibiu nadar no Sena por mais de 100 anos.
Mas os organizadores olímpicos queriam mudar isso, mesmo que temporariamente, organizando a maratona de natação e a parte de natação do triatlo no rio, e investiram US$ 1,5 bilhão na construção de um enorme tanque sob o Sena para reter águas pluviais durante chuvas fortes e tempestades. A água no tanque é então canalizada, gradualmente, para uma instalação de águas residuais, onde é tratada e, em seguida, a água limpa é fluindo de volta para o Sena. Os engenheiros também atualizaram os canos de esgoto de barcos e docas ao longo do Sena para limitar a quantidade de esgoto contaminado que vaza para o rio.
Mas, até o final de julho, os testes continuam a revelar níveis inseguros de bactérias — particularmente E. coli e enterococcus — na água. Os níveis variam, dependendo de uma série de fatores, da quantidade de chuva ao número de dias ensolarados e à velocidade da corrente no rio. De 24 de junho a 2 de julho, o rio estava aceitável para nadar, pelos padrões europeus, em seis dos nove dias, de acordo com relatórios semanais publicados por autoridades de Paris.
Ainda assim, em um esforço para demonstrar ao mundo sua confiança na limpeza e segurança do Sena, a prefeita de Paris, Anne Hidalgo , e o presidente do comitê organizador de Paris 2024, Tony Estanguet, mergulharam por alguns minutos em 17 de julho, até mesmo mergulhando suas cabeças na água para algumas braçadas de estilo livre. “Depois dos Jogos, teremos uma piscina no rio para todas as pessoas”, disse Hidalgo após seu mergulho.
Se isso vai acontecer ainda é incerto. A decisão final sobre se a maratona aquática e a parte de natação do triatlo serão realizadas no rio será tomada pelos respectivos órgãos dirigentes dos esportes, dependendo dos dados coletados pelos oficiais de Paris no dia anterior e na manhã dos eventos programados. Uma reunião com as partes interessadas — oficiais de Paris, autoridades olímpicas de Paris 2024, a federação do esporte, autoridades regionais e Meteo France (as organizações meteorológicas do país) — ocorrerá às 3h30, horário de Paris, em cada dia de evento para tomar uma decisão final sobre se os atletas competirão no Sena.
Isso pressupõe, é claro, que o teste de laboratório para E. coli possa ser feito rápido o suficiente para fornecer medições confiáveis, diz Natalie Exum, professora assistente de saúde ambiental e engenharia na Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health. “Leva cerca de 24 horas para cultivar bactérias E. coli”, ela diz. “Pode haver algum outro indicador proxy para bactérias que eles estejam usando, mas não é como se você pudesse colocar algo na água e saber quantas E. coli estão presentes naquele instante.”
Se o rio continuar a ter níveis flutuantes de poluentes, há riscos à saúde que os atletas podem enfrentar se as autoridades decidirem que o rio é seguro para nadar durante o evento programado. Os contaminantes orgânicos mais comuns — bactérias E. coli e enterococcus — são responsáveis por doenças gastrointestinais, incluindo diarreia, cólicas abdominais, vômitos e náuseas — algo que ninguém aceita, muito menos os atletas que precisam estar em ótimas condições físicas para a competição. “Existem certas cepas patogênicas de E. coli que causam o que chamamos de diarreia do viajante”, diz a Dra. Susan Kline, professora de medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Minnesota. Kline diz que qualquer pessoa exposta à água não tratada pode esperar riscos semelhantes aos que os campistas podem enfrentar em rios ou lagos, que incluem parasitas como a giárdia.
Depois, há os possíveis poluentes químicos que vêm do escoamento de resíduos industriais, que podem representar sérios riscos à saúde, bem como irritação da pele. E ter cortes ou feridas abertas na pele também pode aumentar o risco de qualquer infecção de qualquer coisa que esteja na água, diz o Timothy Brewer, professor de medicina em epidemiologia na Universidade da Califórnia em Los Angeles.
Não é como se o sistema de esgoto em Paris e o rio estivessem intencionalmente conectados. Durante chuvas fortes, o esgoto que flui para as estações de tratamento de água se mistura com a água excedente das chuvas, e os sistemas normais de tratamento das instalações ficam sobrecarregados pelo grande volume de água que precisa ser tratada. Parte dessa água não tratada flui para o Sena, contaminando o rio. “Chamamos isso de primeira descarga”, diz Exum sobre a inundação de água que jorra pelas estações de tratamento de águas residuais após uma chuva. “Eu não aconselharia ninguém em nenhum lugar do mundo a nadar em um rio 24 horas após uma grande descarga”, diz ela. “Todo o sistema de esgoto é projetado para gerenciar a baixa capacidade de fluxo dos vasos sanitários, não a água jorrando. Esses sistemas não são projetados para a intensidade dos eventos de chuva que estamos vendo agora como resultado das mudanças climáticas”.
Mesmo com uma chuva forte, normalmente, uma certa quantidade de bactérias derivadas de esgoto também pode ser morta pelos raios ultravioleta do sol e temperaturas mais altas. Mas uma primavera chuvosa e nublada em Paris deixou as condições propícias para as bactérias prosperarem no rio. E a previsão para a primeira semana dos Jogos é de céu nublado. Mesmo com o tanque de transbordamento construído pelos funcionários para coletar esgoto durante chuvas torrenciais, o rio continua a hospedar níveis inseguros de bactérias.
O tanque é um passo importante, mas não suficiente para realmente limpar o Sena, diz Exum. “Desvincular o sistema de águas pluviais do sistema de esgoto por toda Paris é o que essencialmente precisa acontecer, mas isso leva décadas e é um processo iterativo.” Cidades como Paris que não hospedam muitos espaços verdes para absorver a água da chuva acabam enviando a maior parte dela para o sistema de esgoto subterrâneo, o que apenas acumula poluição no rio.
Os organizadores disseram que a água do Sena será testada duas vezes por dia conforme os Jogos se aproximam, e que há um local alternativo para a maratona aquática em Vaires-sur-Marne, e um plano de contingência para atrasar o triatlo ou abandonar a parte da natação completamente se o rio for considerado inseguro em dias de competição. Mas nenhum anúncio oficial foi feito, e por enquanto, os dois eventos do Sena estão programados para o rio da cidade.
A incerteza está adicionando estresse adicional a uma situação já tensa para os atletas, que gostariam de ter alguma decisão sobre onde, e se, eles estarão competindo, e a garantia de que estarão seguros ao fazê-lo. O técnico de águas abertas da equipe dos EUA, Ron Aitken, disse que a falta de uma decisão é “irresponsável“.
“Eu acho que mesmo que haja 1% de chance de a corrida não ser realizada por causa da limpeza ou falta de limpeza, você precisa ter um plano B “, disse Aitken. “São as Olimpíadas”.
Fonte: Time/Alice Park
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